domingo, 13 de julho de 2008

Queirós e os putos

Quase um mês depois de Scolari ter anunciado que estava de saída da Selecção Nacional a Federação anunciou a contratação do seu sucessor: Carlos Queirós. Havia já algumas semanas que o seu nome circulava, a princípio apenas como rumor, mais tarde já com negociações declaradas abertamente, e, pelo que se foi ouvindo de dirigentes, treinadores e jogadores era que a escolha era mais ou menos consensual, coisa rara no futebol português. De facto, ficara a sensação que, a ser português, só podia mesmo ser Queirós. O braço direito de Alex Ferguson é, parece-me, o homem ideal para o futuro da Selecção; e não estou a pensar apenas no futuro imediato.
Durante os anos Scolari a Selecção principal acumulou bons resultados, e impressionou o mundo com o seu futebol de fino recorte técnico. A sequência de resultados é única na nossa estória marcada por quase qualificações, quase vitórias, e quase muita coisa. No entanto, ao mesmo tempo que os resultados do séniores alcançavam níveis muito acima da nossa média, os das selecções jovens caíam a pique. O fenómeno da geração de ouro, ao contrário do que muitas almas distraídas pensavam, não se repetiu, porque, na verdade, não se tratou de uma coincidência. Foi fruto dum trabalho árduo iniciado por Jesualdo Ferreira, muito bem continuado por Carlos Queirós e que caiu ao abandono após a saída deste, em 1993.
Não quero com isto dizer que sem eles não teria havido Figo, Rui Costa ou João Pinto. Há coisas no futebol deste trio que ninguém lhes poderia ensinar. Mas bons jogadores o nosso futebol sempre teve. Os campeões do mundo de 89 e 91 surgiram fruto de um trabalho desenvolvido por todas as associações, coordenado pelo gabinete técnico da Federação. Havia directivas do que procurar e desenvolver nos jogadores, para cada posição; havia uma ideia única do que deveria ser um jogador, e uma ideia comum para a estrutura e posicionamento táctico das equipas. Tudo isso se foi desvanecendo nos anos seguintes à saída de Queirós, até hoje, em que o seu plano não é mais do que um farrapo.
É por isso fundamental, e para bem do futuro da Selecção, que essas ideias sejam retomadas. Não podemos continuar a depender dos talentos que vão surgindo, porque isso sempre tivemos. Hoje em dia, os nossos novos craques, tirando honrosas excepções, são centrais do FC Porto ou médios do Sporting. Madaíl, ofuscado pelos holofotes e pelas vitórias do Sargentão, esqueceu-se da formação. Deixa (mas será que deixa mesmo, ou temos mais um tabu?) uma Federação rica em dinheiro, mas pobre, muito pobre, nesse nível. Esperemos que não tenha acordado tarde demais. Quanto a Queirós, espero que haja paciência da parte dos adeptos para não lhe pedirem a cabeça após a primeira derrota. Especialmente porque o seu trabalho será, ao contrário do de Scolari, mais um trabalho de fundo do que um sprint. O professor só aceitou abandonar a confortável posição que tinha em Old Trafford por um verdadeiro projecto, que lhe permita trabalhar para os resultados da Selecção A tanto no imediato como no seu futuro, e, por isso, devemos dar-lhe tempo, mesmo que os resultados não sejam, já, o que esperamos. Acredito que se lhe dermos tempo estaremos a ganhar uma equipa para o futuro.

sábado, 24 de maio de 2008

Buracos no xadrez

O futebol português está à beira de um enorme abismo financeiro. Esta é a mais "lapalissiana" das verdades futebolísticas nacionais, mas aquela a que todos preferem fazer orelhas moucas. Nos últimos anos vários foram os clubes, com maior ou menor historial que vimos cair devido aos buracos financeiros criados ao longo de épocas e épocas passadas a viver acima do potencial do clube. Campomaiorense, Salgueiros e Alverca foram, no entanto, apenas a ponta do icebergue. Vitória de Setúbal e Beira-Mar já tremeram muito, e se os primeiros parecem ter encontrado um caminho para a estabilidade, já os segundos continuam a ter sob ameaça a continuidade do futebol profissional. O maior caso de preocupação é, no entanto, um clube que já foi campeão nacional e já ombreou com alguns dos maiores emblemas europeus na Taça UEFA e mesmo na Liga dos Campeões. E quando estamos a falar de um clube destas dimensões, então é porque o caso é mesmo grave.
É certo que o caso do Boavista reveste-se de circunstâncias especiais. Durante anos os axadrezados foram um exemplo de gestão, comprando barato e vendendo caro, especialmente aos três grandes, e conseguindo mesmo assim manter equipas competitivas que mantinham o clube nos lugares cimeiros da tabela e com boas prestações uefeiras. Os problemas começaram quando os três grandes atingiram, também eles, pontos de ruptura, e começaram a oferecer menos pelos craques dos outros clubes nacionais. Ricardo, Petit, Bosingwa e Raúl Meireles saíram do Bessa por muito menos do que seria de esperar; o caso do agora 6 benfiquista é paradigmático: o Benfica comprou apenas metade do passe, coisa impensável meia dúzia de anos antes. Ainda assim as contas poderiam ter sido controláveis se não tivesse surgido o evento que agora parece querer enterrar o Boavista: o Euro 2004.
De todos os estádios construídos para o Euro apenas quatro pertencem aos clubes que os utilizam: Luz, Dragão, Alvalade e Bessa. Os boavisteiros aventuraram-se na total reconstrução do Bessa, contando que poderiam ser ajudados pela Câmara, que já havia sido generosa com o FC Porto no Plano de Pormenor das Antas (PPA). Em Lisboa passara-se o mesmo com Benfica e Sporting, que contaram com uma ajuda preciosa nas trocas e vendas de terrenos por parte da Câmara da capital. Mas as eleições autárquicas de 2001 trazem um desfecho adverso a estas ambições: Fernando Gomes é derrotado por Rui Rio, e a bondade da nova administração para os clubes de futebol foi bastante mais diminuta.
Rui Rio ganhou notoriedade com o finca-pé com Pinto da Costa na tentativa de remodelação do PPA, e tendo ganho fama no combate às alterações das "bonificações" a que o FC Porto iria ter direito não poderia estar, por outro lado, a dar ajudas ao rival portuense. Aqui começou o naufrágio do Boavista: tendo de pagar o estádio do próprio bolso (algo que mais nenhum clube fez) e com receitas de clube médio, as contas começaram a cair para o vermelho. As presenças bem sucedidas na Champions e na Taça UEFA durante os anos Pacheco ajudaram a disfarçar durante uns tempos, mas o buraco era incontrolável. Por ano, o Boavista tem de abater 5 milhões de euros para o pagamento do estádio. Mesmo para um dos três grandes esse número é elevado.
A descida de divisão decretada pelo Apito Final coloca em risco a própria sobrevivência do clube. Com a quebra de receitas provocada pela queda ao segundo escalão e a muito provável saída da maior parte dos jogadores por rescisão unilateral (Mateus, Luís Loureiro e Edgar já acionaram os mecanismos legais para abandonarem o clube) a somar-se ao vazio directivo provocado pela saída de Joaquim Teixeira (que nunca esteve à altura dos acontecimentos, e ainda se deu ao luxo de tirar férias quando os jogadores mais precisavam dele!), o futuro do clube é um enorme ponto de interrogação. Será que haverá alguém que queira, nestas condições, pegar no clube e encontrar uma solução de futuro? E será que há jogadores com vontade de arriscar assinar por um clube falido? O futuro do Boavista depende agora, sobretudo, do recurso da decisão do Apito Final. E, se a decisão for contrária ao clube do Bessa, temo que em Alvalade, no passado dia 11 de Maio, possamos ter visto as camisolas axadrezadas pela última vez...

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Adeus não, até já

Este domingo foi triste para o futebol. Aliás, como tantos outros domingos antes, e como muitos outros ainda teremos pela frente. E não o foi pelo drama das lutas por títulos ou subidas e descidas, pelo findar de uma época em que os resultados não corresponderam ao desejado e sonhado durante nove meses. Não, este domingo foi triste porque os relvados despediram-se de um senhor que tratava a bola como poucos: Rui Costa.
A primeira memória que tenho dele remonta a 1991. Na altura eu era um imberbe rapaz que começava a despertar para a magia do futebol, embalado pelos toques de veludo de Maradona e pelos movimentos de bailarina de van Basten. Ainda hoje, por causa destes senhores, continuo a ter uma simpatia pelo Milan e pela Argentina. Nesse Verão, muitos se recordarão, por certo, Portugal recebeu o Mundial de Sub-20, e tinha em campo uma das mais geniais equipas de sempre nesse escalão. Figo, Peixe, João Pinto, Jorge Costa, Paulo Sousa... Um oceano de talento que arrasou a concorrência. Mas na minha memória ficou gravado o nome do jogador que lançara um foguete frente à Austrália (creio que foi nas meias-finais, mas não tenho a certeza) que só parou no fundo das redes: Rui Costa. Esse golo, para este miúdo de 10 anos, marcou profundamente. O Rui, daí para a frente, passou a ser um ídolo, perdão, um Ídolo. Dias mais tarde, ele marcaria o penalti decisivo no desempate na final (curiosamente frente a um guarda-redes chamado... Dida) mas eu já decidira, antes disso, que era ele o meu favorito. E assim ficou.
Muitas estórias haveria por contar nesta minha relação especial com o 10. Em 17 anos vi-o jogar muitas vezes, felizmente algumas delas ao vivo, e muitos passes e golos magníficos poderia descrever. Mas o momento em que ele me conquistou como fã foi o mais marcante de todos. Esse golo pode até ter sido igual a tantos outros, mas, aos meus olhos de recém-apaixonado por futebol, tinha sido acabado de marcar o golo mais bonito da história do futebol.
Entre a sua primeira época profissional e a sua despedida, este domingo, Rui foi especial, não apenas por aquilo que foi fazendo dentro do campo mas sobretudo pela diferença que marcava fora dele. Nunca se assumiu superior por ser futebolista, nunca teve tiques de vedeta, nunca se colocou num pedestal. E, acima de tudo, num feito infelizmente cada vez mais raro hoje em dia, honrou sempre a camisola que vestia. Nem mesmo quando a Fiorentina se afundava em dívidas quis partir. Saiu para ajudar o clube, tal como já fizera quando saiu do Benfica. Nos três clubes que representou é lembrado já com saudade e muito carinho. São poucos os que se podem gabar de tal feito.
Agora começa uma nova vida, provavelmente bem mais difícil. Dos seus méritos como dirigente desportivo faremos as contas mais tarde, mas duma coisa eu estou certo: é de pessoas como o Rui (e já agora, como o Baía ou como o Figo) que o dirigismo desportivo português precisa para se regenerar. Esperemos que esta geração seja tanto de ouro atrás da secretária como o foi nos relvados. Por isso, em relação a ti, Rui, não posso dizer adeus. Prefiro um até já.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Topo e fundo

Bola na gaveta

Esta foi uma época de Vitórias. Não a águia, que para os lados da Luz a coisa não tem andado famosa, mas para os clubes: tanto o sadino como o minhoto estão a uma semana de terminar duas épocas históricas.
No Minho, Cajuda conseguiu um pequeno milagre. Qual Villarreal à portuguesa, o Vitória está a um passo da Champions. Em ano e meio, passou do meio da tabela da II Liga para as competições europeias. Independentemente do que se vier a passar no próximo domingo, e da competição, Champions ou UEFA, em que o clube vier a participar, este foi um ano de redenção dos conquistadores, depois de há dois anos terem saída da Liga pela porta pequena. Mais do que ninguém, Cajuda deve sentir-se no sétimo céu. Numa altura em que tanto se fala da nova geração de treinadores portugueses, e em que ser "clone de Mourinho" é que está a dar, Cajuda, da velha escola, sendo ele mesmo, o que sempre foi, levou com mestria esta equipa ao topo do futebol português. Mesmo tendo beneficiado de épocas desastrosas dos grande de Lisboa, Cajuda e os vimaranenses estão de parabéns.
Junto ao Sado, Carvalhal conseguiu outro pequeno milagre. Não há muito tempo, o Setúbal tremeu à beira dum abismo chamado colapso financeiro. O perigo continua presente, é certo, as finanças ainda não estão equilibradas, mas já se respira melhor, e a carreira do clube, tanto na Liga como nas taças (alcançando o feito histórico - e irrepetível - de ser o primeiro a vencer a Taça da Liga) enche de orgulho os da terra de Bocage. Mais uma vez, o mérito maior tem de ser atribuído ao treinador, que ressurgiu, como fénix, para os bons resultados que havia deixado em Matosinhos. Dá a impressão que funciona melhor quando tem menos recursos à disposição.

Bola para a bancada

No domingo, Olhanense e Gil Vicente empataram, e assim afastaram-se um ao outro da possibilidade de subirem ao primeiro escalão. Nada haveria de extraordinário não fora uma acusação dirigida à direcção dos minhotos: tentativa de aliciamento de dois jogadores do clube algarvio, por sinal dois ex-jogadores do clube de Barcelos. Os dois jogadores denunciaram o caso, e este já está nas mãos da PJ. Desta vez tudo veio ao de cima, mas eu pergunto-me: por cada caso em que os jogadores recusam, quantos não haverá em que aceitam?...

sábado, 3 de maio de 2008

Fim de ciclo

Todos os clubes de futebol passam por ciclos, sejam eles vencedores ou perdedores, mais curtos ou mais longos, ligados a um dirigente, a um treinador, ou até a um determinado jogador. Por norma, esses ciclos estão mais ligados a um treinador, que é quem escolhe o plantel, toma as decisões que vão moldar a equipa e conduz a nau, seja a bom porto ou ao naufrágio. O fim abrupto de um ciclo é, por norma, determinado por resultados negativos e pela quebra de empatia (se alguma vez a houvera) entre treinador e adeptos. Quando isto acontece, os dirigentes fazem saltar o chicote, para salvar a sua própria pele. Se esta regra se mantiver, então esta semana assistimos ao final de dois ciclos: o de Benítez no Liverpool e o de Rijkaard no Barcelona.
Benítez costuma salvar a pele com a carreira na Champions, mas desta vez não conseguirá agarrar-se a essa boia. Não porque chegar às meias-finais seja um mau resultado, mas porque os adeptos estão cansados de ver os anos passarem e não surgir uma equipa forte o suficiente para resgatar o título máximo de Inglaterra, que lhes escapa há penosos 18 anos. O Kop está cansado de ver os seus jogadores arrastarem-se pelo quarto lugar (até chegou a ser quinto, em 2005, ano da conquista da Champions) e verem os rivais maiores somarem título atrás de título. O Liverpool ainda é o clube inglês com mais títulos de campeão, mas o Man. United só está a dois títulos de distância... Benítez conseguiu construir uma equipa forte em sprints, para competições a eliminar, mas em maratona o seu Liverpool é fraco e não tem ambição, algo inaceitável no clube cujas maiores glórias assentaram no arrojo dos seus míticos treinadores, de Bill Shankly a Bob Paisley.
Já Rijkaard e o seu Barcelona parecem ter sido vítimas de um síndrome "galáctico". Um plantel composto de (muitas) grandes estrelas apresenta grandes riscos, o maior sendo o facto do balneário se tornar pequeno para tanto ego. A chegada de Henry desequilibrou também a equipa no plano táctico, já que o holandês passou a ter opções a mais para o trio da frente. Alguém falou em Florentino Pérez? Os casos de indisciplina foram aumentando, as notícias de borgas de alguns jogadores tornaram-se rotineiras. O treinador perdeu a mão no plantel, o rendimento desportivo dos jogadores baixou, as bocas dos dirigentes atingiram níveis impensáveis. O ambiente em Camp Nou chegou a um ponto de ruptura com a eliminação da Champions, e a confirmação de duas épocas seguidas sem nada vencer. O fabuloso Barça que se sagrou campeão europeu há apenas dois anos desintegrou-se por completo, e apenas pode apontar culpas a si próprio. Rijkaard, apesar de ir dizendo que não vê razões para sair, deve sentir que não tem condições para continuar, mas não deve ser o único a quem os adeptos desejam dizer adeus.

Outros ciclos vemos terminar, também, noutras paragens. Um sinal que se torna assustador é que, menos de um ano depois de ter sido anunciado como grande contratação, Eriksson é agora quase persona non grata no City Of Manchester. Mesmo no país onde o tempo era algo que não faltava a um treinador as contas começam a fazer-se à semana. Nunca será demais lembrar que nas primeiras três épocas de Sir Alex Ferguson em Old Trafford o melhor que o bonacheirão escocês conseguiu foi um 10º lugar na liga. Se os dirigentes da altura tivessem a paciência dos de agora...

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Uma questão de vida ou de morte

Liverpool e Chelsea disputaram hoje à noite a segunda vaga na final da Liga dos Campeões. O jogo teve todos os condimentos dos já tradicionais embates entre estes dois clubes, com lances polémicos, prolongamento, e um final de roer as unhas até ao sabugo. Até golos houve, cinco, coisa pouco habitual nos duelos Mourinho-Benitez. Mas o momento do jogo ocorreu ao minuto 98, quando Frank Lampard converteu uma grande penalidade.
O oito do Chelsea assumiu a responsabilidade, como sempre faz quando está em campo, e atirou para o fundo das redes, colocando o Chelsea a vencer por 2-1. Um momento de felicidade suprema no estádio, com os adeptos do Chelsea a celebrarem efusivamente, a sentirem-se cada vez mais perto de Moscovo. Mas para um homem dos Blues, aquele momento levou-o às lágrimas: precisamente Frank Lampard. O talentoso médio inglês perdeu a mãe na passada semana, e não alinhou, por isso mesmo, contra o Man. United. A sua presença neste jogo, devido ao seu frágil momento psicológico, esteve em dúvida até ao último treino; Grant foi afirmando que não sabia se poderia contar com ele. Frank disse que estava em condições, e avançou. Correu quilómetros, defendendo e atacando, ao seu melhor estilo; se estava fragilizado não se notou. Mas no momento do golo não resistiu. Correu para junto da bandeira de canto e agachou-se. Nesta altura, já as lágrimas lhe corriam pelo rosto abaixo. Este foi o momento alto do jogo. De repente, por breves momentos, não havia camisolas, nem clubes, nem adeptos. Não havia taças, dinheiro, golos, vitórias; havia apenas um homem, e muita, muita emoção.
Bill Shankly disse uma vez que o futebol era muito mais do que uma questão de vida ou de morte; Frank Lampard não precisou mais que um momento sublime para desmentir o mítico treinador dos Reds. Até nisso o Chelsea levou a melhor sobre o clube de Anfield.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Topo e fundo

Bola na gaveta
  1. Muito se falou, ao longo da semana, que o FC Porto iria facilitar na deslocação a Guimarães e "oferecer" os três pontos ao Vitória, com o intuito de prejudicar os rivais de Lisboa. Até mesmo entre os adeptos azuis e brancos não faltava quem não se importasse ver o seu próprio clube perder. Muitos sobrolhos se levantaram ao ver o onze inicial dos campeões nacionais sem quatro titulares. Duas horas depois, não sobrava pedra sobre pedra no castelo. Os dragões varreram por completo a equipa vitoriana, numa demonstração de orgulho, calando as milhares de vozes que os acusavam antes de tempo de facilitismo. O campeão não brinca em serviço, e o jogo de Guimarães foi a cereja no topo do bolo duma campanha (quase) perfeita na Liga.
  2. O Villarreal continua a protagonizar milagres na liga espanhola. Nos últimos anos o submarino amarelo tem coleccionado boas classificações, e chegou mesmo a alcançar as meias finais da Champions. Este ano, apesar dum começo de época para esquecer, foi crescendo e a quatro jornadas do fim é já a única equipa que pode impedir o Real Madrid de se sagrar campeão. O obreiro deste super-Villarreal é o chileno Manuel Pellegrini, precisamente o homem que todos os apreciadores de bom futebol odiaram por dispensar Riquelme. Neste momento, quando dispõe de quatro pontos de vantagem sobre o terceiro, o milionário Barcelona, a quatro jornadas do fim, alguém é capaz de dizer que ele estava errado?

Bola para a bancada
  1. Para quem pensa que este tipo de coisas só acontece em Portugal, fica o registo: após o final do Chelsea-Man. United quatro jogadores dos Red Devils envolveram-se num incidente com alguns elementos do staff de apoio do Chelsea, quando procuravam fazer um treino de descompressão no relvado de Stamford Bridge. Claro que já começaram as trocas mútuas de acusações, num cenário que nós por cá conhecemos bem, mas que não é totalmente alheio noutras paragens, mesmo nas mais desenvolvidas em termos de fair-play.
  2. Sir Alex Ferguson entrou nos dois últimos jogos com mais medo de perder do que vontade de ganhar. Quando tal acontece diz-se que é meio caminho andado para a derrota. Com o mestre escocês tal não é verdade, mas os jogos com Barcelona e Chelsea foram maus demais. É certo que em Londres perdeu devido a um penalti duvidoso, mas a verdade é que o United só se lembrou que haviam duas balizas quando esteve em desvantagem. O Boss, como é conhecido em Old Trafford, arriscou ao não arriscar, e agora arrisca-se a tudo perder no sprint final, depois de ter deixado a forte sensação de que a sua equipa foi a melhor na Europa esta temporada.

Deuses com pés de barro

Mário Jardel fez, este fim-de-semana, uma revelação que já não admira, dado o buraco negro em que caiu: o goleador brasileiro consumiu cocaína. Não se pode dizer que Super-Mário tenha tido o mundo a seus pés, mas pelo menos este jardim à beira-mar plantado rendeu-se por completo ao seu talento, e, aqui, era rei. Ganhou prémios atrás de prémios, recebia um ordenado chorudo e foi várias vezes campeão nacional. Por isso eu pergunto-me: como pode alguém endeusado desta forma cair em desgraça? É certo que quanto maior é o voo maior é a queda, mas o estrondo com que Jardel bateu no fundo parece ter tido um eco muito maior do que o seus gritos de vitória.
O brasileiro não é caso único; nem sequer o maior nome das quedas futebolísticas. Mas as estórias que o envolveram, ainda em Lisboa, quando se rodeara de verdadeiros amigos da onça, chocam o comum mortal que tantas vezes invejou a sorte dos senhores da bola. Ainda para mais, Jardel entrou neste caminho de perdição quando já tinha vasta experiência de sucesso, ao contrário de outros, como Maradona, que se envolveram na droga pouco depois dos primeiros sinais de sucesso. Então, o que correu mal? O sucesso subiu-lhe à cabeça? O empresário prometeu-lhe um contrato milionário com o Real Madrid ou o Barcelona? A pressão esmagou um Jardel frágil psicologicamente? Os falsos amigos que o rodeavam serão os únicos responsáveis?
Não é fácil encontrar uma resposta; talvez o que se tenha passado tenha sido reflexo de um pouco de tudo isto. O que é importante retirar desta estória, no entanto, é o exemplo que fica para os candidatos a estrelas que povoam muitos relvados de formação deste país. Que lhes sirva de exemplo de como o sucesso e a ribalta são coisas efémeras, que a idolatração não dura para sempre, e que para se manterem nessa posição de conforto não basta saber dar uns pontapés certeiros na redondinha; é preciso sobretudo saber manter a cabeça no sítio, e trabalhar da mesma forma, todos os dias, quer se esteja a preparar a final do Campeonato do Mundo ou um jogo treino contra uma equipa de amadores. Se fizerem isso, já têm meio caminho andado para o sucesso.

sábado, 26 de abril de 2008

Até ao fim

Em quatro das cinco maiores ligas da Europa a questão do título está praticamente arrumada: Real Madrid, Inter, Lyon e Bayern ainda não são campeões matematicamente, mas a vantagem de que dispõem neste momento deverá ser suficiente para levarem a campanha sem grandes sobressaltos até ao triunfo maior. O Manchester United teve hoje uma soberba oportunidade para se juntar a este lote de luxo, mas caiu (com estrondo!) na fortaleza de Stamford Bridge, frente a um Chelsea forte que mostrou não estar pronto para se render.
As duas equipas mostraram, mesmo antes de entrar em campo, ao que vinham. Sir Alex deixou de fora Ronaldo, e colocou um trio de meio campo com demasiadas preocupações defensivas: Carrick-Fletcher (Fletcher cujo único mérito futebolístico é o de ser uma carraça) como duplo pivot, com Andersson nas costas do trio Giggs-Rooney-Nani. O multi-vencedor treinador escocês entrou em Stamford Bridge como já o havia feito na quarta-feira em Camp Nou: receoso, à espera do erro do adversário. Já Avram Grant apostou num triângulo invertido no centro do terreno, com Essien-Mikel-Ballack a formarem um trio devastador que arrasou por completo o trio oposto. Na frente, apesar dum Kalou desinspirado, Drogba e principalmente Joe Cole fizeram a cabeça em água ao quarteto recuado dos Red Devils.
É certo que era o Chelsea que precisava de vencer, mas a estratégia de Ferguson, de entrgar por completo ao jogo ao adversário, foi má de mais: logo após o empate troca Anderson por O'Shea, abdicando assim por completo de tentar vencer o jogo. O treinador dos Blues arriscou tudo o que podia: Anelka e Shevchenko entraram para os lugares de Paulo Ferreira e Kalou. O Chelsea encurralou por completo o United e acabou por colher os frutos dessa pressão, alcançando o golo da vitória nos minutos finais. Só aí os jogadores do United se lembraram de procurar a baliza de Cech, mas a sorte protegeu os audazes: por duas vezes a bola foi tirada em cima da linha, por Ashley Cole e... Shevchenko, que se tournou herói duma forma a que não está certamente habituado.
Assim, Grant, tão criticado pelos próprios adeptos, apesar dos bons resultados alcançados, saiu com o ego reforçado, e, mesmo que não venha a vencer a Premiership, pode dizer que não cedeu ao poderoso United. Já Ferguson teve um dia para esquecer: vê o Chelsea colar-se à liderança (agora, qualquer erro pode custa a época) e perdeu ainda Vidic e Rooney por lesão. Quarta-feira, frente ao Barcelona, tem de vencer, para evitar que a equipa se afunde psicologicamente e acabe por perder todos os trofeus esta temporada.

A lei Webster

Avança hoje A Bola com a notícia de que Paulo Assunção está de saída do FC Porto, tendo já um princípio de acordo com a Fiorentina. O médio brasileiro tem-se recusado, nos últimos meses, a abordar negociações com os campeões nacionais, sempre tendo por base a oferta milionária dos Viola, que lhe triplica o ordenado, e a possibilidade de sair sem que os clubes tenham de negociar, devido à lei Webster. O FC Porto lá receberá uma indemnização, é certo, mas esta lei, embora sirva também para proteger os direitos dos jogadores, acaba por atacar sobretudo os direitos de clubes com menor potencial financeiro. Os clubes com mais dinheiro podem agora aliciar jogadores sem que estes estejam em final de contrato (antigamente um clube só podia encetar negociações directas com um futebolista nos seus últimos seis meses de contrato). Os jogadores, maravilhados com o dinheiro que lhes é atirado à cara, só têm de esperar que passe o tempo necessário para poderem rescindir ao abrigo da lei (dois ou três anos, conforme a idade do atleta) e depois podem mandar o seu antigo clube às malvas. O clube de origem receberá algum dinheiro, é verdade, mas nunca o dinheiro que receberia numa negociação real (e Pinto da Costa, nisso, é mestre). Entristece-me ver clubes menos poderosos financeiramente serem cada vez mais estrangulados pelos regulamentos de transferências. Embora entenda que as leis Bosman e Webster são importantes para defender os futebolistas, também entendo que deveria haver mecanismos para proteger estes clubes que saem massivamente prejudicados deste tipo de negócios. É que pelo andar da carruagem, o desequilíbrio será tal que milagres como o do FC Porto campeão europeu em 2004 serão cada vez mais raros...