sábado, 24 de maio de 2008

Buracos no xadrez

O futebol português está à beira de um enorme abismo financeiro. Esta é a mais "lapalissiana" das verdades futebolísticas nacionais, mas aquela a que todos preferem fazer orelhas moucas. Nos últimos anos vários foram os clubes, com maior ou menor historial que vimos cair devido aos buracos financeiros criados ao longo de épocas e épocas passadas a viver acima do potencial do clube. Campomaiorense, Salgueiros e Alverca foram, no entanto, apenas a ponta do icebergue. Vitória de Setúbal e Beira-Mar já tremeram muito, e se os primeiros parecem ter encontrado um caminho para a estabilidade, já os segundos continuam a ter sob ameaça a continuidade do futebol profissional. O maior caso de preocupação é, no entanto, um clube que já foi campeão nacional e já ombreou com alguns dos maiores emblemas europeus na Taça UEFA e mesmo na Liga dos Campeões. E quando estamos a falar de um clube destas dimensões, então é porque o caso é mesmo grave.
É certo que o caso do Boavista reveste-se de circunstâncias especiais. Durante anos os axadrezados foram um exemplo de gestão, comprando barato e vendendo caro, especialmente aos três grandes, e conseguindo mesmo assim manter equipas competitivas que mantinham o clube nos lugares cimeiros da tabela e com boas prestações uefeiras. Os problemas começaram quando os três grandes atingiram, também eles, pontos de ruptura, e começaram a oferecer menos pelos craques dos outros clubes nacionais. Ricardo, Petit, Bosingwa e Raúl Meireles saíram do Bessa por muito menos do que seria de esperar; o caso do agora 6 benfiquista é paradigmático: o Benfica comprou apenas metade do passe, coisa impensável meia dúzia de anos antes. Ainda assim as contas poderiam ter sido controláveis se não tivesse surgido o evento que agora parece querer enterrar o Boavista: o Euro 2004.
De todos os estádios construídos para o Euro apenas quatro pertencem aos clubes que os utilizam: Luz, Dragão, Alvalade e Bessa. Os boavisteiros aventuraram-se na total reconstrução do Bessa, contando que poderiam ser ajudados pela Câmara, que já havia sido generosa com o FC Porto no Plano de Pormenor das Antas (PPA). Em Lisboa passara-se o mesmo com Benfica e Sporting, que contaram com uma ajuda preciosa nas trocas e vendas de terrenos por parte da Câmara da capital. Mas as eleições autárquicas de 2001 trazem um desfecho adverso a estas ambições: Fernando Gomes é derrotado por Rui Rio, e a bondade da nova administração para os clubes de futebol foi bastante mais diminuta.
Rui Rio ganhou notoriedade com o finca-pé com Pinto da Costa na tentativa de remodelação do PPA, e tendo ganho fama no combate às alterações das "bonificações" a que o FC Porto iria ter direito não poderia estar, por outro lado, a dar ajudas ao rival portuense. Aqui começou o naufrágio do Boavista: tendo de pagar o estádio do próprio bolso (algo que mais nenhum clube fez) e com receitas de clube médio, as contas começaram a cair para o vermelho. As presenças bem sucedidas na Champions e na Taça UEFA durante os anos Pacheco ajudaram a disfarçar durante uns tempos, mas o buraco era incontrolável. Por ano, o Boavista tem de abater 5 milhões de euros para o pagamento do estádio. Mesmo para um dos três grandes esse número é elevado.
A descida de divisão decretada pelo Apito Final coloca em risco a própria sobrevivência do clube. Com a quebra de receitas provocada pela queda ao segundo escalão e a muito provável saída da maior parte dos jogadores por rescisão unilateral (Mateus, Luís Loureiro e Edgar já acionaram os mecanismos legais para abandonarem o clube) a somar-se ao vazio directivo provocado pela saída de Joaquim Teixeira (que nunca esteve à altura dos acontecimentos, e ainda se deu ao luxo de tirar férias quando os jogadores mais precisavam dele!), o futuro do clube é um enorme ponto de interrogação. Será que haverá alguém que queira, nestas condições, pegar no clube e encontrar uma solução de futuro? E será que há jogadores com vontade de arriscar assinar por um clube falido? O futuro do Boavista depende agora, sobretudo, do recurso da decisão do Apito Final. E, se a decisão for contrária ao clube do Bessa, temo que em Alvalade, no passado dia 11 de Maio, possamos ter visto as camisolas axadrezadas pela última vez...

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