quarta-feira, 30 de abril de 2008

Uma questão de vida ou de morte

Liverpool e Chelsea disputaram hoje à noite a segunda vaga na final da Liga dos Campeões. O jogo teve todos os condimentos dos já tradicionais embates entre estes dois clubes, com lances polémicos, prolongamento, e um final de roer as unhas até ao sabugo. Até golos houve, cinco, coisa pouco habitual nos duelos Mourinho-Benitez. Mas o momento do jogo ocorreu ao minuto 98, quando Frank Lampard converteu uma grande penalidade.
O oito do Chelsea assumiu a responsabilidade, como sempre faz quando está em campo, e atirou para o fundo das redes, colocando o Chelsea a vencer por 2-1. Um momento de felicidade suprema no estádio, com os adeptos do Chelsea a celebrarem efusivamente, a sentirem-se cada vez mais perto de Moscovo. Mas para um homem dos Blues, aquele momento levou-o às lágrimas: precisamente Frank Lampard. O talentoso médio inglês perdeu a mãe na passada semana, e não alinhou, por isso mesmo, contra o Man. United. A sua presença neste jogo, devido ao seu frágil momento psicológico, esteve em dúvida até ao último treino; Grant foi afirmando que não sabia se poderia contar com ele. Frank disse que estava em condições, e avançou. Correu quilómetros, defendendo e atacando, ao seu melhor estilo; se estava fragilizado não se notou. Mas no momento do golo não resistiu. Correu para junto da bandeira de canto e agachou-se. Nesta altura, já as lágrimas lhe corriam pelo rosto abaixo. Este foi o momento alto do jogo. De repente, por breves momentos, não havia camisolas, nem clubes, nem adeptos. Não havia taças, dinheiro, golos, vitórias; havia apenas um homem, e muita, muita emoção.
Bill Shankly disse uma vez que o futebol era muito mais do que uma questão de vida ou de morte; Frank Lampard não precisou mais que um momento sublime para desmentir o mítico treinador dos Reds. Até nisso o Chelsea levou a melhor sobre o clube de Anfield.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Topo e fundo

Bola na gaveta
  1. Muito se falou, ao longo da semana, que o FC Porto iria facilitar na deslocação a Guimarães e "oferecer" os três pontos ao Vitória, com o intuito de prejudicar os rivais de Lisboa. Até mesmo entre os adeptos azuis e brancos não faltava quem não se importasse ver o seu próprio clube perder. Muitos sobrolhos se levantaram ao ver o onze inicial dos campeões nacionais sem quatro titulares. Duas horas depois, não sobrava pedra sobre pedra no castelo. Os dragões varreram por completo a equipa vitoriana, numa demonstração de orgulho, calando as milhares de vozes que os acusavam antes de tempo de facilitismo. O campeão não brinca em serviço, e o jogo de Guimarães foi a cereja no topo do bolo duma campanha (quase) perfeita na Liga.
  2. O Villarreal continua a protagonizar milagres na liga espanhola. Nos últimos anos o submarino amarelo tem coleccionado boas classificações, e chegou mesmo a alcançar as meias finais da Champions. Este ano, apesar dum começo de época para esquecer, foi crescendo e a quatro jornadas do fim é já a única equipa que pode impedir o Real Madrid de se sagrar campeão. O obreiro deste super-Villarreal é o chileno Manuel Pellegrini, precisamente o homem que todos os apreciadores de bom futebol odiaram por dispensar Riquelme. Neste momento, quando dispõe de quatro pontos de vantagem sobre o terceiro, o milionário Barcelona, a quatro jornadas do fim, alguém é capaz de dizer que ele estava errado?

Bola para a bancada
  1. Para quem pensa que este tipo de coisas só acontece em Portugal, fica o registo: após o final do Chelsea-Man. United quatro jogadores dos Red Devils envolveram-se num incidente com alguns elementos do staff de apoio do Chelsea, quando procuravam fazer um treino de descompressão no relvado de Stamford Bridge. Claro que já começaram as trocas mútuas de acusações, num cenário que nós por cá conhecemos bem, mas que não é totalmente alheio noutras paragens, mesmo nas mais desenvolvidas em termos de fair-play.
  2. Sir Alex Ferguson entrou nos dois últimos jogos com mais medo de perder do que vontade de ganhar. Quando tal acontece diz-se que é meio caminho andado para a derrota. Com o mestre escocês tal não é verdade, mas os jogos com Barcelona e Chelsea foram maus demais. É certo que em Londres perdeu devido a um penalti duvidoso, mas a verdade é que o United só se lembrou que haviam duas balizas quando esteve em desvantagem. O Boss, como é conhecido em Old Trafford, arriscou ao não arriscar, e agora arrisca-se a tudo perder no sprint final, depois de ter deixado a forte sensação de que a sua equipa foi a melhor na Europa esta temporada.

Deuses com pés de barro

Mário Jardel fez, este fim-de-semana, uma revelação que já não admira, dado o buraco negro em que caiu: o goleador brasileiro consumiu cocaína. Não se pode dizer que Super-Mário tenha tido o mundo a seus pés, mas pelo menos este jardim à beira-mar plantado rendeu-se por completo ao seu talento, e, aqui, era rei. Ganhou prémios atrás de prémios, recebia um ordenado chorudo e foi várias vezes campeão nacional. Por isso eu pergunto-me: como pode alguém endeusado desta forma cair em desgraça? É certo que quanto maior é o voo maior é a queda, mas o estrondo com que Jardel bateu no fundo parece ter tido um eco muito maior do que o seus gritos de vitória.
O brasileiro não é caso único; nem sequer o maior nome das quedas futebolísticas. Mas as estórias que o envolveram, ainda em Lisboa, quando se rodeara de verdadeiros amigos da onça, chocam o comum mortal que tantas vezes invejou a sorte dos senhores da bola. Ainda para mais, Jardel entrou neste caminho de perdição quando já tinha vasta experiência de sucesso, ao contrário de outros, como Maradona, que se envolveram na droga pouco depois dos primeiros sinais de sucesso. Então, o que correu mal? O sucesso subiu-lhe à cabeça? O empresário prometeu-lhe um contrato milionário com o Real Madrid ou o Barcelona? A pressão esmagou um Jardel frágil psicologicamente? Os falsos amigos que o rodeavam serão os únicos responsáveis?
Não é fácil encontrar uma resposta; talvez o que se tenha passado tenha sido reflexo de um pouco de tudo isto. O que é importante retirar desta estória, no entanto, é o exemplo que fica para os candidatos a estrelas que povoam muitos relvados de formação deste país. Que lhes sirva de exemplo de como o sucesso e a ribalta são coisas efémeras, que a idolatração não dura para sempre, e que para se manterem nessa posição de conforto não basta saber dar uns pontapés certeiros na redondinha; é preciso sobretudo saber manter a cabeça no sítio, e trabalhar da mesma forma, todos os dias, quer se esteja a preparar a final do Campeonato do Mundo ou um jogo treino contra uma equipa de amadores. Se fizerem isso, já têm meio caminho andado para o sucesso.

sábado, 26 de abril de 2008

Até ao fim

Em quatro das cinco maiores ligas da Europa a questão do título está praticamente arrumada: Real Madrid, Inter, Lyon e Bayern ainda não são campeões matematicamente, mas a vantagem de que dispõem neste momento deverá ser suficiente para levarem a campanha sem grandes sobressaltos até ao triunfo maior. O Manchester United teve hoje uma soberba oportunidade para se juntar a este lote de luxo, mas caiu (com estrondo!) na fortaleza de Stamford Bridge, frente a um Chelsea forte que mostrou não estar pronto para se render.
As duas equipas mostraram, mesmo antes de entrar em campo, ao que vinham. Sir Alex deixou de fora Ronaldo, e colocou um trio de meio campo com demasiadas preocupações defensivas: Carrick-Fletcher (Fletcher cujo único mérito futebolístico é o de ser uma carraça) como duplo pivot, com Andersson nas costas do trio Giggs-Rooney-Nani. O multi-vencedor treinador escocês entrou em Stamford Bridge como já o havia feito na quarta-feira em Camp Nou: receoso, à espera do erro do adversário. Já Avram Grant apostou num triângulo invertido no centro do terreno, com Essien-Mikel-Ballack a formarem um trio devastador que arrasou por completo o trio oposto. Na frente, apesar dum Kalou desinspirado, Drogba e principalmente Joe Cole fizeram a cabeça em água ao quarteto recuado dos Red Devils.
É certo que era o Chelsea que precisava de vencer, mas a estratégia de Ferguson, de entrgar por completo ao jogo ao adversário, foi má de mais: logo após o empate troca Anderson por O'Shea, abdicando assim por completo de tentar vencer o jogo. O treinador dos Blues arriscou tudo o que podia: Anelka e Shevchenko entraram para os lugares de Paulo Ferreira e Kalou. O Chelsea encurralou por completo o United e acabou por colher os frutos dessa pressão, alcançando o golo da vitória nos minutos finais. Só aí os jogadores do United se lembraram de procurar a baliza de Cech, mas a sorte protegeu os audazes: por duas vezes a bola foi tirada em cima da linha, por Ashley Cole e... Shevchenko, que se tournou herói duma forma a que não está certamente habituado.
Assim, Grant, tão criticado pelos próprios adeptos, apesar dos bons resultados alcançados, saiu com o ego reforçado, e, mesmo que não venha a vencer a Premiership, pode dizer que não cedeu ao poderoso United. Já Ferguson teve um dia para esquecer: vê o Chelsea colar-se à liderança (agora, qualquer erro pode custa a época) e perdeu ainda Vidic e Rooney por lesão. Quarta-feira, frente ao Barcelona, tem de vencer, para evitar que a equipa se afunde psicologicamente e acabe por perder todos os trofeus esta temporada.

A lei Webster

Avança hoje A Bola com a notícia de que Paulo Assunção está de saída do FC Porto, tendo já um princípio de acordo com a Fiorentina. O médio brasileiro tem-se recusado, nos últimos meses, a abordar negociações com os campeões nacionais, sempre tendo por base a oferta milionária dos Viola, que lhe triplica o ordenado, e a possibilidade de sair sem que os clubes tenham de negociar, devido à lei Webster. O FC Porto lá receberá uma indemnização, é certo, mas esta lei, embora sirva também para proteger os direitos dos jogadores, acaba por atacar sobretudo os direitos de clubes com menor potencial financeiro. Os clubes com mais dinheiro podem agora aliciar jogadores sem que estes estejam em final de contrato (antigamente um clube só podia encetar negociações directas com um futebolista nos seus últimos seis meses de contrato). Os jogadores, maravilhados com o dinheiro que lhes é atirado à cara, só têm de esperar que passe o tempo necessário para poderem rescindir ao abrigo da lei (dois ou três anos, conforme a idade do atleta) e depois podem mandar o seu antigo clube às malvas. O clube de origem receberá algum dinheiro, é verdade, mas nunca o dinheiro que receberia numa negociação real (e Pinto da Costa, nisso, é mestre). Entristece-me ver clubes menos poderosos financeiramente serem cada vez mais estrangulados pelos regulamentos de transferências. Embora entenda que as leis Bosman e Webster são importantes para defender os futebolistas, também entendo que deveria haver mecanismos para proteger estes clubes que saem massivamente prejudicados deste tipo de negócios. É que pelo andar da carruagem, o desequilíbrio será tal que milagres como o do FC Porto campeão europeu em 2004 serão cada vez mais raros...

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Uma coisa chamada projecto

Para uma empresa ser bem sucedida no mercado, e ser capaz de atingir os seus objectivos, é necessário haver uma conjugação de variados factores, polvilhados aqui e ali com um pitada de sorte, bem regados com doses massivas de trabalho. Os seus líderes têm de ter consciência do tipo de trabalho que deve ser desenvolvido, e, a partir daí, definir uma estrutura sólida e os perfis desejados para cada lugar nessa estrutura. Todas as contratações devem obedecer a essa lógica; todos os novos empregados devem ter esse perfil pré-definido, para que uma alteração, mesmo que importante, tenha um impacto menor na produtividade da empresa.
O mesmo se passa com uma equipa de futebol. As equipas regularmente ganhadoras definiram, antes de iniciarem os seus ciclos de vitórias, um perfil adequado a cada posição da estrutura dirigente e, claro, do seu treinador, figura chave que será determinante para o sucesso do clube. Não se devem contratar treinadores ao acaso; caso contrário um dirigente arrisca transformar o seu clube num cemitério de treinadores (vide o caso actual do Sp. Braga). Acima da escolha do treinador tem de haver uma ideia base para o futebol do clube, que, a tornar-se vencedora, deve ser mantida; e caso o treinador que levou o clube ao sucesso abandone o clube, então quem lhe sucede deve ter uma forma de pensar e trabalhar se não igual pelo menos idêntica. A isto (e outras coisas mais, mas isso é pano para outras mangas) se chama um projecto.
Vem isto a propósito da escolha do novo treinador do Benfica. Desde que Luís Filipe Vieira assumiu a presidência do clube muitos foram os treinadores que passaram pelo clube. A saber: Camacho, Trapattoni, Koeman, Fernando Santos, e de novo Camacho. Quem encontrar semelhanças entre estes quatro senhores merece um prémio. Ano após ano ouvimos Vieira falar no perfil desejado, mas a ideia com que ficamos é que a escolha obedece apenas a um critério: o primeiro treinador de nomeada que se conseguir contratar. E, desta forma, ano após ano, os jogadores são forçados a começar tudo do zero. Podem dizer-me que o Benfica pouco ganhou neste período de tempo, e, por isso, faz sentido tentar alterar o rumo da equipa de futebol. É certo, mas depois de ter sido campeão, trocou Trap por Koeman, quando fazia sentido aproveitar a forte base defensiva criada pela Velha Raposa e contratar outro treinador da mesma escola.
Este ano, no entanto, algo mudou. Pela primeira vez ouço falar em nomes com alguma coerência. Todos os treinadores que vieram à baila são conhecido por serem organizados, metódicos e sólidos em termos tácticos. Parece, finalmente, haver um perfil, uma ideia, uma base que pode germinar num projecto. A confirmar esta possibilidade de visão a longo prazo está a notícia avançada hoje pela Bola, que dá conta que o contrato oferecido a Queiroz é superior a quatro anos. A transição de Rui Costa para o cargo de director desportivo (ainda por confirmar é certo mas já tida como válida por todos) não será alheia a este facto. Rui Costa poderá ser um factor positivo na estrutura dirigente do Benfica, já que pela primeira vez numa direção de Luís Filipe Vieira há alguém que realmente percebe de futebol. E seja qual for o nome escolhido (que até pode nem trazer os tão ansiados títulos ao clube da águia) sabemos que pelo menos desta vez não o será ao calhas, apanhando o primeiro nome famoso que surgir para aquelas bandas.